OPINIÃO

Sexo e poder

Joana Amaral Dias


Ainda bem que nasci no século XX. Com as minhas preferências pelo futebol, as BMX, o jogo Risco e, depois, pela política e a aventura, se tivesse nascido algures entre 2015 e 2030 tinham-me cortado as mamas antes dos 16 anos e enchido o bandulho de hormonas sintéticas.

Sou mulher. Não me sinto mulher, tenha a condição de o ser, é o meu DNA. Não tenho um sentimento, tenho XX, um código que, por mais que eu mudasse a minha aparência, jamais se alteraria. A estes cromossomas não corresponde nenhum cérebro feminino. Da mesma forma, para o XY não existe um cérebro masculino. Como defensora dos direitos das mulheres, sempre me bati pela noção de que não há um género que corresponda a um determinado sexo. As meninas podem gostar de brincar à batalha naval e aos carrinhos, mas isso não faz delas meninos. Os meninos podem curtir bonecas ou cozinhas e isso também não faz deles meninas. Uma menina tem vagina, mas a isso não corresponde um “cérebro feminino”. Um rapaz tem pénis, mas a isso não corresponde um “cérebro masculino”. Sempre encarei esta constatação como necessária para o progresso e para a emancipação feminina e é, então, com perplexidade e temor que vejo agora difundida a ideia de que há miúdos que nascem com um “cérebro feminino” que está num corpo masculino - e que, então, é a aparência do corpo (só a aparência, já que a tal essência genética é imutável) que tem de ser alterada. Ou seja, na base da agenda trans (que pretende até que existam crianças trans, como se um menor tivesse já uma sexualidade formada e fixada) encontra-se um conceito mentiroso e perigoso, sobretudo para as mulheres e para as crianças. Como sempre, não é?

Repare-se. Seja no desporto seja até em concursos de beleza, as mulheres começam já a ser arredadas por homens que fizeram a chamada transição. Será esmagador para a natação feminina ou para o ciclismo feminino ter pessoas com biologia masculina a competir ombro a ombro com mulheres, originando uma inexorável desigualdade que arrisca eliminá-las de quase todas as modalidades. E de que mais esferas da atividade humana? O que se seguirá? Ou seja, esta ideologia não acrescenta direitos ao sexo feminino. Aniquila-os. Basta pensar na situação das mulheres detidas (obrigadas à convivência com homens biológicos), nos direitos sexuais e reprodutivos ou na violência doméstica para o entender.

Quanto às crianças, a questão ainda é mais grave. Espanha já aprovou uma “lei trans” que permitirá mudar de género a partir dos 12 anos sem parecer médico; em Portugal multiplicam-se os “prides para os pequeninos” e outras lavagens cerebrais, a par dos projetos de lei que implementam as medidas administrativas que as escolas devem adotar para promover a confusão nas crianças no que à sua identidade sexual diz respeito. Pobres miúdos que, perante este mundo cada vez mais desigual, acreditam que são estas “transições” que vão resolver as suas angústias e a sua vida sem futuro.

Aliás, esse é um dos motivos para a omnipresença da narrativa do género. Aproveitando-se da centralidade da sexualidade humana (sexualidade, não sexo), simplifica-se e tenta-se convencer meio mundo de que a chave para a sua felicidade aí reside (e não nas suas condições de vida, salários, educação), enquanto se baralham as pessoas quanto à sua identidade sexual, adiando ou até impedindo essa mesma felicidade. Mais perverso era difícil.

Tudo é sexo, excepto o sexo que é poder, lembram-se?

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