CENSORSHIP IS A BITCH
by the Flipados team Junho
/ Julho 2015
texto longo
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Índice
Capítulo 1 – A censura:
em termos gerais, historicamente e na internet
Capítulo 2 – The Flipados
Team:
no Photoblog, no Facebook e na Arte
Capítulo 3 – A colagem
digital:
como método artístico escolhido, antecedentes
históricos, comparações e diferenças
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1) Vivemos
tempos muito hipócritas em que os avanços na liberdade são acompanhados de
simultâneos retrocessos.
Quando se
ganha distanciamento temporal e histórico é mais fácil classificar uma época
como libertária ou retrógrada; quando ainda estamos próximos a incoerência
parece ser o fator dominante.
Por outro
lado, os avanços tecnológicos baralham os dados e apresentam novos desafios…
A censura
manifesta-se em todos os aspectos da vida humana: política, religião, opções de
relacionamento social e/ou sexual, raça, costumes e negócios.
Em termos
políticos, o foco é menos intenso que noutras épocas excetuando os suspeitos do
costume: os regimes ditatoriais. Na prática não é bem assim; nos regimes ditos
democráticos há toda uma panóplia de mecanismos que levam à censura por
hierarquia de poder ou à autocensura para sobrevivência. Nas empresas privadas
isto é mais evidente e “aceitável” mas o mesmo se passa nas associações
sociais, nos partidos políticos, nas organizações religiosas, etc.
A censura
política, sobretudo associada a grandes opções ideológicas, está apesar de tudo
em diminuição; entretanto, aparece agora associada a outros factores como a
corrupção.
Na área
social e sexual temos avanços nos países ditos ocidentais em termos de direitos
das minorias, casamento homossexual, etc. em paralelo com práticas ancestrais
em países do dito terceiro mundo. No entanto, em termos de consenso teórico
global há sintonias, o que sugere que haverá mais vitórias nestas áreas.
Em termos
raciais, há consenso teórico e prática menos consensual. Em muitas zonas do
mundo, se os conflitos não são exactamente raciais, são de certeza em termos de
etnias. E mesmo em países que já se dividiram - aproximando-se mais as
fronteiras das nações que os compunham – continuamos a ter convulsões… como se
os diferentes níveis de “etnias” e motivos de discórdia fossem “viver do lado
oposto da rua”. Em países que têm superior exposição mediática, como por
exemplo os Estados Unidos, temos por um lado o primeiro presidente
afro-americano e por outro a época de maiores conflitos derivados da atuação
policial para com… afro-americanos.
A censura
religiosa ficou para o fim. De facto, ao contrário dos séculos mais recentes, a
conflitualidade de crenças voltou a agravar-se. Isso manifesta-se diretamente
em assuntos claramente religiosos mas também indiretamente em temas do foro
social e sexual cujas origens acabam por ser também de influência religiosa.
Até na área política há conflitos e censura que é de influência religiosa
quando os estados são liderados por chefes religiosos.
Desde Salman
Rushdie e “Os Versículos Satânicos”, as bandas desenhadas dinamarquesas e o
profeta Maomé… até ao criminoso ataque ao Charlie Hebdo. E por muito que
queiramos separar atos de motivação religiosa de atos terroristas, as
circunstâncias factuais mostram como estão misturados nos argumentos e
justificações. Uma análise da metodologia de recrutamento de novos aderentes ao
Estado Islâmico mostra como todo o cariz é religioso.
É:
“converta-se, seja muçulmano… deixe de se relacionar com infiéis… venha para a
terra prometida”!
Não é:
“venha ser terrorista connosco”!
Entretanto,
e como exemplo dos avanços tecnológicos que referimos no início, temos a
internet. No início foi um campo de liberdade, libertação e anarquia salutar…
que levou à convivência do melhor com o pior.
Quem
viveu em Portugal na época da liberalização do sinal de rádio… ainda se lembra
de programas fabulosos criados nas chamadas “rádios piratas”! Deve ter havido
maus programas mas não me lembro porque não os escolhi para ouvir (e esta é uma
questão que os censores decidem ignorar… que as pessoas podem escolher).
Lembro-me sim dos bons…e alguns deles continuaram depois, já com a rádio
regulamentada, e não foram a mesma coisa: não tinham a mesma frescura e
espontaneidade.
Com a
internet passa-se o mesmo mas à escala planetária. Pode-se encontrar,
potencialmente, TUDO! Como cozinhar um pudim ou como construir uma bomba. Com
os argumentos do medo e da segurança, os poderes que têm o horror ao vazio (e
na altura a internet era o maior local de vazio de poder) decidiram que a
internet precisava de ser controlada. Acontece é que ela é uma gigantesca via
com dois sentidos, como o caso Wikileaks demonstrou: se a recolha de informação
é à escala global também a divulgação de algo incómodo se faz para todos num
instante.
Esta
fabulosa ferramenta é o novo palco das guerras… globais ou direccionadas,
militares, religiosas, políticas.
No
entanto, nem sempre as motivações são tão potencialmente grandiosas; as
aventuras censórias do Flipados Team foram na internet – mais especificamente –
nas redes sociais como veremos no capítulo seguinte. E o pseudo moralismo que
foi invocado para os atos censórios não escondia fundamentos políticos ou
religiosos; antes disfarçava evidentes interesses económicos.
2) O Flipados
Team nasceu na internet em março de 2007, no âmbito de uma plataforma de blogs
de fotografia: o Photoblog
O
Cabecilha e o americo/AmericA nasceram no mesmo dia
O Flipado
deu à net no fim do mesmo mês
A Rozária
S. deu-se à luz em maio desse mesmo ano
Como
vemos tem direito ao título honorífico “Banned” e só pode ser vista pelos
antigos amigos. Os maus dos presidentes do Photoblog não acharam o seu humor
susceptível de ser exibido.
Em
Setembro de 2014, a bisneta de Rozária, reavivou a sua luta por uma internet
inteligente e, usando a sua antiga alcunha Rozette, voltou às lides
Muitas
outras personagens nasceram e entraram nestas aventuras com maior ou menor
frequência.
Descrevendo
agora as partes fundamentais do Photoblog, temos:
- cada
personagem/conta pode fazer uma entrada (post) por dia; o post é uma página
- a
página tem uma 1ª zona para colocar fotografias, actualmente é entre 1 e 5 no
sistema gratuito. Houve alturas no passado que se podia colocar até 20 fotos.
- por
baixo de cada foto há uma caixa de texto/legenda e a seguir às fotos há um
espaço para um texto mais longo; até aqui é a parte da página a cargo do
blogger
- mais
abaixo há a 2ª zona da página que é interativa: a secção de comentários; podem
ser de outros membros do Photoblog ou do público em geral.
Depois
criaram-se outros departamentos do Photoblog como os forums, guestbooks,
mensagens privadas e concursos por temas, mas a essência do blog está no que
até aqui descrevemos: uma página por dia e por pessoa onde se colocam fotos e
texto e depois uma secção onde as pessoas comentam essa fotos.
Nesta
época ainda não havia o Facebook e assim o Photoblog podia ter uma função útil
de aproximar familiares separados através de imagens da sua vida e férias; na
prática isso era marginal, como também era marginal um caso ou outro de imagens
comerciais (venda de produtos) ou claramente pornográficas (mais ou menos
rapidamente detectadas e excluídas). No geral o Photoblog era uma pasmaceira…
aquilo que designávamos como um blog de “flowers and sunsets”!
Um
blogger colocava umas fotos de florzinhas e em baixo, na secção de comentários
os seus bloggers amigos escreviam “nice photo”… very nice”… etc, etc.
Outro
blogger publicava umas fotos do pôr-do-sol e era por sua vez mimoseado com
comentários banais e bajuladores.
Poucos
participantes tinham um mínimo de jeito para a fotografia dita artística quanto
mais para fazer arte.
Os
Flipados rapidamente decidiram dar alguma animação à comunidade, começando
primeiro pela secção de comentários… e se as flores e fins-de-tarde não tinham
ponta por onde se pegasse havia de vez em quando uma imagem ou outra que
permitia uma frase mais imaginativa do que o habitual “very nice”.
Mas,
claro que nem todos os colegas bloggers tinham o nosso sentido de humor e assim
resmungavam algo depreciativo ou, pior ainda, apagavam o nosso comentário! Por
vezes encontrávamos alguém combativo que ripostava no nosso blog e assim
tínhamos umas batalhas, vulgo ping-pong, entre secções de comentários de vários
bloggers! Admito que foi a única coisa divertida dessa fase.
Depois
mudamos de estratégia e encontramos a nossa vocação com a recriação da foto-novela
para a época digital!
As várias
fotografias de um post contavam uma história e as legendas (e o texto) por
baixo reforçavam ou iconoclasticamente davam a nossa versão da história. O
humor era – como sempre – a nota dominante! Foi a melhor fase do Photoblog para
o Flipados Team!
Assim ,
os comentários tinham hipóteses de ser mais criativos… o que dependia dos
outros participantes. Muitas vezes sentimos que estávamos a dar pérolas a
porcos… de todas as nacionalidades porque apesar de tudo era uma plataforma
internética mundial.
É
evidente que – como sempre – tivemos uma minoria inteligente que percebeu e
participou com comentários estimulantes.
Depois
começaram os problemas: determinada imagem era censurada e retirada porque
alguém a tinha denunciado (flagged)…
aliás tinham criado um botão com uma bandeira colocada ao lado de toda e
qualquer foto para que algum somítico o pudesse usar em iniciativa censória!!!
Nos inícios ainda contestamos e às vezes ganhávamos e a situação era reposta…
outras vezes mantinham a conta/blog aberto mas só acessível aos amigos… outras
vezes acabavam mesmo com a conta… (banned
era acrescentado – qual Medalha de Mérito – ao nome do blogue criminoso).
Embora
nalguns casos os amigos ainda tivessem acesso ao blog censurado, parte das
fotografias tinham sido retiradas e ficava uma história truncada com mais
textos e legendas do que imagens!
É
evidente que, tendo sido um processo continuado, tivemos tempo para guardar
muitas das histórias offline.
imagens de exemplo do photoblog e mais
links
Nesta
altura (pré-Facebook) ainda os responsáveis do Photoblog apostavam numa venda
milionária da plataforma… por isso queriam um local a cumprir as normas
familiares à americana! E por mais que nos inícios tivessem prometido a
ausência de publicidade nas páginas, as forças de mercado e os custos de
servidores impuseram-se. Agora o Photoblog tem publicidade e os anunciantes vão
mais facilmente (ou exclusivamente) para sites de cariz “familiar.”
A
experiência do Facebook foi similar, salvaguardando as diferenças de formato
desta plataforma e as ferramentas específicas, mas a lógica da denúncia era a
mesma! O mesmo se diga quanto à motivação dos responsáveis do site em termos de
garantia dos conteúdos ditos familiares para satisfação dos anunciantes!
Como no
caso do Facebook há mais exposição mediática que no Photoblog, aparecem
regularmente notícias de utilizadores censurados que processam a organização do
menino Zuckerberg mas certamente sem grande sucesso.
Pela
nossa parte éramos regularmente incomodados (suspensos, bloqueados, censurados,
banidos e similares) não só pelo conteúdo das publicações mas por suspeitarem
que os nossos nomes não eram verdadeiros, exigindo mudança para o nome real,
interdição de perfil completo em vez de mera página para casos de empresas,
etc. etc.
Realmente
é incrível como a nível mundial tanta gente cumpre as normas do Facebook mais
respeitosamente que as leis do seu país! E assim, o dito Zuckerberg tem a maior
base de dados da humanidade sem trabalho de recolha… os dados são
voluntarizados pelos próprios!
Como não
somos masoquistas decidimos que era altura de mudar. Ora o BLOGGER/BLOGSPOT tem
ao entrar um aviso de blog com conteúdo adulto para não traumatizar as almas
sensíveis; e é assim nessa plataforma que continuamos as nossas atividades!
3) A
colagem digital, método artístico desenvolvido pelos Flipados, enquadra-se - em
termos de história da arte - como a versão mais moderna da tradição da colagem.
Embora
associada aos trabalhos dos cubistas, em termos de conteúdo de obras pintadas, facto
é que já antes tinham sido feitas colagens em arte: como expressão do movimento
dada. Aqui, como manifesto político anti-política as colagens eram de letras e
números e monocromáticos… nos cubistas havia cor e imagens. Mas não faltavam
letras (vide Entrada de Amadeu de Souza Cardoso).
Ao longo
do século evoluiu tanto na pintura como em madeira, a decoupage (como Henri
Matisse em azul), a fotomontagem (como Richard Hamilton), a montagem 3D, o
mosaico e finalmente a colagem digital (mais associada à vídeo arte e à
instalação digital).
A colagem
digital dos Flipados é para já associada só à fotografia e mesmo aqui sem
recurso aos programas de processamento de imagem. O próprio recorte dos
elementos é low-tech, normalmente rectangular ou quadrado sem efeitos de
camadas ou transparências.
A maioria
do material que integra a exposição “Censorship is a bitch” usa colagens que foram
usadas nos blogs (ex: Zette-» the fashion blog) ou faz colagem de fotos que
individualmente contaram as histórias do Flipados Team.
A
exposição pretende ser a catarse de toda essa época de aventuras
foto-literárias e desventuras censórias. Pretende marcar o fim dessa época de
ingenuidade em termos de redes sociais e a mudança para a idade adulta na
internet… daí a mudança para o BLOGGER/BLOGSPOT que sabe lidar com material adulto.
Há várias
pistas para a evolução artística dos Flipados que pode passar pelo vídeo, pps e
multimédia, instalações e performance.
Um dos
novos caminhos já é apresentado nesta exposição com a série “Free the nipple”:
são trabalhos que não nasceram na interactividade dos blogs mas que foram
criados offline… o que perdem em espontaneidade e anarquia ganham em
organização e profundidade. De facto, cada série corresponde a um tema; todas
as obras da série têm um ponto comum visual na repetição de uma imagem que
ilustra esse tema (neste caso do lado direito, usando metade da área das obras,
temos o logo do movimento Free The Nipple). Depois cada obra individualmente
difere do lado esquerdo com imagens e textos que dão uma interpretação
específica do tema (em linguagem musical são variações).