* Este artigo contém expressões que podem ferir a susceptibilidade dos leitores mais sensíveis
© Expresso
Os Gato Fedorento, há uns anos, fizeram um sketch a que chamaram O anão Roberto, que alguém me fez chegar, novamente, um destes dias. A coisa dura minuto e meio e, basicamente, não acontece ali nada: a cena é uma mera descrição de um acidente envolvendo um anão, um coxo, um vesgo, um fanhoso, um atrasado mental e um mariconço. Onde é que está a graça? A graça estava no facto de, de cada vez que o Ricardo Araújo Pereira usa aquelas expressões para se referir aos intervenientes, o Tiago Dores o corrigir colocando os nomes onde o Ricardo só tinha usado as alcunhas.
Notaram a subtileza do tempo verbal da minha resposta? A graça não está, a graça estava. (Eu continuo a rir-me a bandeiras despregadas com o sketch, mas eu sou um selvagem sem remissão; a turba que me incinere...) E porquê? Porque quando me enviaram o link – já não é a primeira vez que isto acontece – o outro selvagem que mo enviou, de lágrimas de riso nos olhos, acrescentou: isto, hoje, já não se fazia.
Há dias, li a notícia que a música Fat Bottomed Girls dos Queen ia ser "removida de uma reedição de “Greatest Hits”, coletânea do grupo que é o álbum mais vendido de sempre no Reino Unido". Motivo? Ser "inapropriada". As crianças não podem ser expostas a qualquer espécie de, como agora se diz, body shaming. Ou seja, agora já não há gordos, magros, espigadotes ou minorcas, agora são todos corpos diferentes. E todos lindos. Mesmo que não sejam.
Jill Filipovic, na The Atlantic de Setembro, escreve um artigo chamado “The resilience gap”. Jill é uma feminista e, no seu caminho profissional, convenceu-se que colocar uma advertência semelhante à que encabeça este artigo (irony alert!) era uma forma estimável e decente de falar de casos traumáticos, exibir respeito pelas vítimas e proteger os frágeis.
Todavia, consultando vários especialistas de saúde mental e olhando para os números – "entre 2007 e 2019 a taxa de suicídio entre crianças dos 10 ao 14 anos triplicou, e nas raparigas deste grupo quadriplicou"; "um relatório de 2021 [nos Estados Unidos] indica que 57% de raparigas em idade escolar evidenciam 'sintomas persistentes de tristeza e desesperança', quando em 2011 eram 36%" – chega à inquietante pergunta: depois de tantas advertências, cuidados e sinalizações de virtude, "será que inadvertidamente criámos uma geração com poucas ferramentas para lidar com a adversidade?"
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